Na aurora
deste novo milênio, a nossa fé na Comunhão trinitária e em
nossa comunhão com Deus e com toda a humanidade tem que se
afirmar de maneira bem viva e bem rente à realidade. É a hora
da fidelidade criativa ao que recebemos de Cristo, pelos Santos
Padres e doutores, pelos místicos e pelas místicas, que
vigiaram através dos séculos, dando alma a estes dois mil anos
que queremos comemorar na gratidão e na responsabilidade.
Nada de
meias palavras. O novo milênio só tem sentido como
comemoração da vinda e do dom de Deus, nosso Pai e Pai de Nosso
Senhor Jesus Cristo, o qual por seu Filho entrou em nossa
carne, em nossa vida e em nossa história, comunicando-nos o seu
Espírito. Mais ainda. Não seria oportuno tentar desdobrar
essa certeza em uns dizeres mais nossos, mais de hoje, sem
esquivar o risco de proferir uma palavra provisória
relembrando a Palavra que não passará jamais?
Tal é o propósito e o sentido deste Credo
de caráter primordialmente social, pois ele visa destacar
o caráter realista da solidariedade que decorre de nossa união
com a Comunhão trinitária. Nessa profissão, sintetizamos a fé
que anima nosso povo, suas comunidades, seus
líderes. Hoje como ontem e mesmo mais do que ontem, nossa
convicção proclama o gosto de viver e a alegria de lutar na
comunhão de Deus que atiça nossa solidariedade.
Cremos
na vocação divina do ser humano à comunhão eterna no Amor e,
igualmente, na sua missão histórica de edificar, sobre a
terra, civilizações solidárias e justas.
Cremos
que Deus entrou como força renovadora em nossa história e em
nossa vida, pois o Pai a nós se deu e tudo nos deu pelo
seu Filho, Luz de Luz , e no Espírito Santo, Amor que vem do
Amor e ao Amor nos conduz.
no amor fraterno e realista, que detesta a iniqüidade,
combate a injustiça, rejeita os privilégios. Nem cede jamais à
superstição, que vê na história o predomínio fatal dos
egoísmos, a inexorável concorrência de interesses ou a
miraculosa salvação oferecida pela idolatria do mercado ou pelo
simples jogo da própria economia.
Cremos
Na eminente dignidade da pessoa humana, feita à imagem
e semelhança de Deus, Comunhão de bondade e de amor, e no
primado absoluto do bem comum, que se há de realizar pela
promoção de todos os direitos para todos.
Cremos
na igualdade fundamental do homem e da mulher, das nações e
dos povos, condenando qualquer exploração do homem pelo homem e
esconjurando todos os modelos violentos ou disfarçados de
colonização política, econômica e cultural.
Cremos
que os bens terrenos são destinados por Deus para prover à
necessidade de todas as criaturas humanas; e que as formas de
propriedade, tão variadas através dos tempos e das regiões,
são justas e legítimas, tão somente na medida que permitem a
valorização da pessoa, o desabrochar da família, o
desenvolvimento do país e a solidariedade entre os povos.
Cremos
na primazia absoluta dos valores espirituais, sem
desconhecer, no entanto, certa prioridade dos fatores
econômicos, no plano social, uma vez que as sublimes
prerrogativas da liberdade, igualdade e fraternidade serão
apenas palavras mortas, se não se apoiarem em uma ordem
econômico-social, realmente eqüitativa para todos.
Cremos
que o trabalho é a fonte primeira da riqueza e da
prosperidade, e que o capital, sendo frutificação do trabalho,
deve, mediante este, colocar-se a serviço do desenvolvimento
econômico e cultural.
Cremos
na democracia representativa, como forma de governo mais
consentânea com os direitos humanos e as exigências do
Evangelho.
Cremos
por outro lado, que a democracia não passará de uma farsa,
se seu exercício estiver nas mãos de um só partido, de uma só
casta, ou sob o predomínio de grupos econômicos. Sem a difusão
da propriedade em sua forma pessoal, familiar ou em comunidades
de trabalho, não existe povo capaz de independência e de
opção, mas apenas massa volúvel, facilmente escravizada pelos
ditadores individuais ou coletivos.
Cremos
que o povo é soberano não só na designação, mas ainda na
orientação permanente dos governantes; pois a autoridade vem de
Deus certamente, porém através da cooperação do ser humano,
imagem divina, inteligente e livre.
Cremos
que não há democracia, sem a formação e a informação
honesta da opinião pública, esclarecendo as consciências sobre
os problemas humanos fundamentais. E reconhecemos na dominação
dos grupos econômicos sobre a mídia, a mais perniciosa das
ditaduras. Sem a democratização econômica, particularmente dos
meios de difusão, não é possível verdadeira democracia
política.
Cremos
que a democracia política e social tem como base a procura
do bem comum, como inspiração a constante promoção dos homens
e das mulheres, e como resultado a ascensão de todas as camadas
sociais aos benefícios do conforto e da cultura.
Cremos
que todos esses valores democráticos recebem especial
confirmação e consagração, nos princípios do cristianismo;
têm, no entanto, seu fundamento primeiro na própria dignidade
do ser humano, criatura espiritual e privilegiada de Deus.
Cremos
que a paz é fruto da justiça, e que a justiça brota da
caridade, e na caridade encontra toda a sua perfeição.
Cremos
na Trindade Santíssima, Pai, Filho e Espírito Santo, de
quem a Igreja é o sacramento, histórico e comunitário,
consagrada a Deus e por Deus para a reconciliação universal da
humanidade.
Que o Espírito age na história e em nossos corações
levando-nos pelo Cristo e com o Cristo à intimidade com o Pai e
à fraternidade humana universal, estimando, respeitando e
abraçando todos os homens e todas as mulheres, todos os povos,
todas as raças, todas as culturas, na marcha sofrida e
maravilhosa da humanidade para a comunhão da vida e a
partilha da felicidade. Pois o ser humano vivo e feliz é a plena
manifestação do Senhor da vida, da história e da eternidade.
Crendo e professando hoje esta fé,
unimo-nos no amor e na luta, como povo chamado à comunhão
divina e empenhado na realização da solidariedade humana,
agradecendo, consagrando, abençoando o novo milênio em
nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo.
Frei CARLOS JOSAPHAT, O.P.,
teólogo dominicano, professor emérito da Universidade de
Friburgo Suíça, escritor, autor de Moral, Amor
& Humor Igreja, sexo e sistema na roda viva da
discussão, Editora Record Nova Era, Rio de Janeiro,
1997, Santas Doutoras, Espiritualidade e a Emancipação da
Mulher, Edições Paulinas, São Paulo, 1999, entre outros.
Atualmente leciona na Escola Dominicana de Teologia em São Paulo
.
[1] Uma primeira versão desse texto, sob o título de Credo Social, foi por mim elaborada em 1963, sendo proclamada por líderes e movimentos populares que pretendiam lutar por reformas de base e se opor ao golpe militar que se preparava. O Credo social foi publicado no jornal BRASIL URGENTE em 1963. Reafirmamos essa profissão de fé, com ela concluindo um livro lançado no limiar do novo milênio: 2000. Em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo. Ed. Loyola, 2000.
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